Fundações e diversidade
Duas notas são especialmente de sublinhar:
a) a necessidade de acabar com preconceitos, falácias e desconhecimento sobre as fundações, que tem permitido a criação de uma imagem desfavorável sobre um setor que, na sua quase totalidade, desempenha uma função da maior importância para o nosso país;
b) a importância da correta perceção e qualificação do lugar das fundações no âmbito da Economia Social.
A respeito deste último ponto, percebendo o ponto de Manuel Carmelo Rosa, creio que é importante, contudo, olhando para o cenário fundacional comparado, avançar um pouco mais, do que a simples defesa de que as fundações não devem integrar o elenco das entidades da Economia Social, tal como surgem descritas e qualificadas na Lei de Bases da Economia Social.
É evidente que tem razão Carmelo Rosa quando afirma que há uma contradição entre alguns princípios da Lei de Bases e as características das fundações. Mas isso infelizmente diz mais da qualidade da nossa lei do que da efetiva dissonância entre fundações e economia social. Não é que essa dissonância não exista. Existe, parcialmente. Mas para a percebermos é preciso operar uma distinção, bem conhecida na literatura do setor, entre fundações de apoio (grantmaking foundations) e fundações operativas ou prestadoras (operating foundations).
Se é verdade que as denominadas fundações de apoio não devem ser integradas na Economia Social, sendo sobretudo financiadoras dessa mesma economia, como importantes filantropas e investidoras sociais (sendo aí especialmente patente o caso da Gulbenkian no cenário português), é também verdade que as fundações operativas ou prestadoras, onde se integram as denominadas fundações de solidariedade social previstas no Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, no caso português, são em quase tudo entidades da economia social, sobretudo se nos centrarmos na atividade e no fim e reconsiderarmos as regras de organização interna.
Esta bicefalia das fundações, com maior ou menor expressão nos diversos países da Europa e de matriz anglo-saxónica, faz variar o discurso e aprofundar a análise mas creio que não nos deve querer fazer limitar a diversidade fundacional, mesmo se com isso arriscarmos a incompreensão e o pronceito sobre o setor. Deve, ao invés, fazer-nos cerrar fileiras na divulgação e no combate à desinformação e ao preconceito.
À sua maneira ambos os tipos fundacionais prosseguem importantes funções. As fundações de apoio, que em Portugal contam ainda com pouca expressão - basta olhar para os números da Conta Satélite sobre as origens do financiamento da Economia Social - são fundamentais e o seu papel nunca pode ser louvado demais no caso português, mas as fundações de operação, na tradição caritativa e assistencialista de serviço ao outro, não a partir de uma base associativa mas de subordinação a uma causa, a um fim unificador e rector, ocupam também um papel importante. E não apenas em Portugal, mas um pouco por toda a Europa meridional e central. Em alguns casos deram mesmo lugar a híbridos que expressam algumas das tendências mais inovadoras e socialmente relevantes dos últimos anos, como são as fundações de cidadãos (Bürgerstiftungen) na Alemanha, que têm vindo a desempenhar um importante papel no rejuvenescimento e dinamismo urbanístico, entre outras áreas.
A diversidade fundacional, num país quer com pouca filantropia, quer como pouca tessitura de comunitarismo social, deve ser aceite como um bicefalia útil a suprir estas duas falhas. Que apenas um tipo de fundações, dentro deste binómio, pertença à Economia Social, é apenas mais uma das peculiaridades do setor que cabe a todos os interessados explicar para combar preconceitos e malentendidos. Portugal pode e deve conviver bem com estes dois tipos fundacionais. Assim como deve combater tudo aquilo que seja a sua perversão, nomeadamente a utilização da forma fundacional para conseguir proveitos ilegítimos e injustificados do Estado. Cabe aqui um papel importante a todo o investimento social, mesmo o de carácter puramente filantrópico, na criação, utilização e exigência de indicadores de impacto social que obriguem as fundações prestadoras a medir o seu desempenho e serem julgadas de modo transparente por tais métricas como forma de obterem financiamento complementar para a sua atividade, para além das receitas da sua atividade. Pode e deve haver aqui um virtuosa sinergia entre fundações de apoio e fundações prestadoras.