Rachel Cusk - Outline
Mais de um ano volvido sobre ter oferecido "Outline" de Rachel Cusk a uma amiga, decido finalmente ler o exemplar que havia comprado para mim nessa mesma altura.
Já não me lembro como foi que cheguei a Rachel Cusk, mas como quase toda a literatura contemporânea a que chego, deve ter sido pelo TLS. De todo o modo não me lembro exatamente do que li sobre ela e sobre este romance (e a trilogia que integra), sem ser a referência a Atenas e à Grécia, mas foi suficientemente apelativo para o ter colocado na minha wishlist de livros e o ter comprado pouco depois.
A razão pela qual me deu vontade de escrever sobre ele foi ter-me acontecido algo que há muito não me acontecia (aliás, não me lembro da última vez): dei por mim a ler "Outline" e a reparar mais na forma da escrita do que na substância. Atenção, não é que a substância seja anódina ou mesmo desinteressante. Há ali muitos temas da contemporaneidade. Mas há algo no modo de escrever de Rachel Cusk neste romance que me cativou pela forma. É o meu primeiro contacto com a escritora, que desconhecia até há pouco tempo.
O que me pareceu muito interessante neste romance foi o modo como a escrita parece permanentemente traduzir (ou obrigar-nos a traduzir) um ruído de fundo que diz mais sobre o que se poderá estar a passar com a narradora/protagonista do que sobre tudo o que a rodeia. As descrições, os diálogos (diria mais, monólogos) parecem todos aprisionados dentro da narradora como formas de declinar o seu estado de espírito. Tudo isto pode ser lido, por outras palavras, na contracapa da edição inglesa em paperback. E é bem verdade. Mas já o saber não impediu o efeito que a escrita de "Outline" teve em mim, interessado, a partir de dado passo, em perceber como está a narradora a sentir-se mesmo (sobretudo) quando ela está apenas calada, escutando. É a própria descrição que é afectada, torna-se frágil, mais intermediária e transitória do que nunca. Um novo degrau na evolução da narrativa assente no stream of consciousness, agora aberto não apenas à torrente dos pensamentos de uma dada personagem, mas passando a integrar, com a nossa ajuda decifradora, o modo como os estímulos exteriores a essa personagem a afectam. Um stream of stimuli to consciouness.
Creio que valerá a pena ler os próximos dois romances da trilogia, "Transit" e "Kudos".