PPP na Saúde e Contratação por resultados
Está lançada a discussão sobre a continuação das PPP na área da Saúde. É uma discussão política da maior importância. Em primeiro lugar, permite analisar este tipo de provisão de serviços públicos de forma séria, sem cair em maniqueísmos e sobretudo na diabolização genérica das PPP, expressão que parece ter-se tornado um anátema consensual. Se há domínio em que o ditado "paga o justo pelo pecador" é certeiro é no domínio das Parcerias Público-Privadas, o que nos devia recordar que na avaliação de políticas públicas o único critério norteador deve ser a relação valor-custo. É raríssimo discutir-se isso politicamente e igualmente raro que isso seja integrado na própria decisão político-administrativa, em especial na escolha do modo de provisão de serviços públicos. Em segundo lugar, permite pensar na evolução da contratação pública de serviços para contratação pública de resultados.
Devia ser uma evidência que a escolha do modo de prestação de um serviço público implica uma escolha prévia dos resultados que queremos desse serviço, em termos que sejam mensuráveis. Tal como implica uma escolha prévia do valor que estamos dispostos a pagar por esses resultados. Sem estas decisões, cálculos e ponderações não é possível, sem ser através de uma infundada cegueira ideológica, decidir se é melhor provisão direta ou através de privados. Idealmente isto significa que a escolha devia ser alheia à natureza dos prestadores de serviços públicos: a escolha devia recair sobre quem apresentasse um "value for money" adequado aos nossos objetivos. Os dados empíricos demonstram que esta opção está longe de ser clara num sentido ou noutro. Depende de vários aspetos que devem ser apreciados a cada momento e para os tipos de resultados de serviço público desejados. Isto significa desde logo que a Administração Pública deve integrar serviços que permanentemente analisem as opções possíveis para os resultados políticos sucessivamente fixados. Mas significa também que os resultados esperados para cada serviço público devem ser alvo de ampla discussão política, sustentadas no maior número de informação disponível.
Um exemplo: A PPP respeitante ao Hospital de Cascais, segundo a UTAP, permitiu uma poupança de cerca de 40 milhões em 4 anos, quando comparado com os "custos estimados da gestão pública". Quem queira, politicamente, contrariar a vantagem para o interesse público desta PPP deve fazer uma de duas coisas: i) demonstrar que, não obstante a poupança, os resultados ficaram aquém dos resultados que se impunham; ou ii) demonstrar que os custos estimados da gestão pública estão errados ou podem ser reduzidos abaixo dos custos do gestor privado num curto espaço de tempo.
Em qualquer destas hipóteses, a Administração Pública está obrigada a fazer um planeamento e uma avaliação permanente dos seus objetivos, resultados e custos.
No primeiro caso, nada obsta a que, mesmo com as poupanças verificadas, não se obtenham os resultados pretendidos. Mas esta conclusão implicará sempre assumir um de dois erros: a) os objetivos foram mal fixados ou b) os contratos que fixaram esses objetivos foram mal negociados. A combinação de ambas é possível.
Note-se que na maioria das PPP, de que a área da saúde não é exceção, o Estado contrata serviços, internalizando, pois, o risco pelos resultados. Ou seja, quando o contrato começa a ser negociado e, posteriormente, quando é executado, o contraente privado assume o risco de fornecer certo serviço, mas não assume o risco de que esse serviço produza o resultado desejado. Perguntar-se-á: mas se isto é realmente assim por que não contrata o Estado os resultados (outcomes) em vez dos serviços (outputs). Na maioria dos casos tal sucede porque nem sequer tenta e numa restrita minoria de csos porque os resultados são impossíveis ou muito difíceis de medir e, como tal, é impossível assumir contratualmente o risco dos resultados ou esse risco é demasiado avultado.
Hoje, felizmente, vão existindo cada vez mais casos em que a contratação é feita por resultados. Sobretudo em países que começaram a apostar na preparação das suas Administrações Públicas para esse tipo de contratação, que implica conhecer muito bem a própria casa, ter indicadores fiáveis e atualizados, e orientações político-administrativas claras. Tudo o que permite escolher adequamente o modo como é mais eficiente prover certos serviços públicos e, se for caso disso, estar habilitado a negociar com privados essa prestação. Os exemplos do Government Performance Lab da Harvard Kennedy School nos Estados Unidos e do Government Outcomes Lab da Oxford Blavatnik School of Government, ambos parcerias com os Governos respetivos, são disso exemplo.
Este tipo de enfoque implica uma alteração no modo como se aborda a prestação de serviços públicos, que tem alguns custos de partida no que toca a formação específica, mas habilita a Administração Pública para uma eficiência exponencial que não está neste momento ao seu alcance.
No caso das PPP em saúde, e sem prejuízo de podermos discutir no futuro a sua renovação em contexto de prestação de resultados e não apenas de serviços, o que é interessante notar é que é difícil demonstrar que tenha havido uma má definição de resultados (pois estes não foram definidos através de métricas quantificáveis conhecidas) ou o contrato mal negociado (ele reproduz os serviços indicados pelo contraente público, não se conhecendo cedências consideradas lesivas para o interesse público).
Acresce, já em vida do contrato, que não obstante a realização de uma PPP, continua a haver gestão pública, algo que por vezes parece não acontecer ao ouvirmos alguns argumentos do PCP ou do BE. A gestão contratual de uma PPP (a par da sua boa negociação inicial) é o fator determinante para o seu sucesso. Embora gestão contratual de uma PPP e gestão direta de um serviço público sejam obviamente diferentes, ambas permitem ao setor público assegurar a provisão de um serviço. Cabe ao Estado, para cada caso, demonstrar o que é mais eficaz.
Se for possível demonstrar que o Estado, através de provisão direta consegue os resultados pretendidos com menor custo do que qualquer entidade privada então a provisão direta está justificada. O ponto que quero sublinhar não é tanto o da preferência por uma ou outra opção, mas o facto de que construir e possuir um sistema contínuo de determinação, medição e avaliação de resultados de interesse público é pressuposto da opção por provisão direta ou através de privados (PPP, por exemplo). Ora este sistema fundamental continua a faltar como cultura global da Administração Pública - "faz-se algo porque sempre se fez" - e continua a faltar enquanto conhecimento, formação, processos e tecnologia.
Não se nega, pois, que a UTAP tenha devidamente chegado à conclusão da poupança de 40 milhões de euros em 4 anos. Com base nos serviços contratados, e cujo prestador privado assegurou, é legítimo assumir que com o histórico de provisão pública direta, a estimativa de poupança seja fidedigna.
Contudo, fica por saber, pois não temos ainda um sistema montado que o permita determinar, se com uma alteração do planeamento dos serviços, explicitando a necessidade de parametrizar e medir os resultados que se pretendem com esses mesmos serviços, a provisão direta não poderia também ser alterada de modo a conseguir poupanças ainda maiores do que as conseguidas pelo setor privado ou até, resultados melhores, embora com o mesmo custo histórico proporcional.
O ponto é: uma boa PPP depende de um auto-conhecimento e de uma auto-avaliação da Administração Pública que tem de ser sistémico. Isto permite, por seu turno, ser mais claro e contundente na passagem para uma Administração por resultados e, por maioria de razão, para uma contratualização de privados por resultados, quando isso se revelar a melhor opção.
Assim sendo é difícil compreender a dificuldade em decididir pela renovação das PPP que, com os dados disponíveis, demonstram poupanças para o Estado, sem que se demonstre que isso implicou algum tipo de brecha nos resultados de serviço público pretendidos. É aí que a discussão deve estar e não num infundado, acrítico e abstrato preconceito ideológico (seja para que lado for).
Se os críticos das PPP são, por princípio, contra a gestão privada de serviços públicos, isso só reforça o seu ónus de demonstrarem em que se sustenta esse princípio. A Constituição exige ao Estado que assegure a mais eficiente prossecução do interesse público. Exigir, quando a Constituição não o faça, que essa prossecução seja feita diretamente pelo setor público, ao invés de ser por ele simplesmente regulada ou gerida indiretamente (como nas PPP) implica termos uma Administração Pública que seja capaz de demonstrar em cada momento e para cada serviço público, que os resultados obtidos por provisão direta são melhores e/ou mais baratos do que aqueles que o setor privado pode assegurar. O repto da Administração Pública neste início de século é o de munir-se da estrutura que habilite permanentemente a justificar e tomar estas opções.
Razão tem por isso a Ministra Maria Manuel Leitão Marques ao afirmar que a continuação das PPP na área da saúde (como em qualquer área) depende do que se revelar como mais eficiente. Nem de outro modo poderia ser.
Impõe-se, já agora e para terminar, como boa prática de legitimação de políticas públicas que todas as que impliquem responsabilidade financeira para além de um ciclo legislativo-governativo sejam votadas na Assembleia da República. Esta opção compromete politicamente de forma mais forte as opções de manutenção ou reversão dessas políticas no futuro.