Morreu Herberto, mas é impossível morrer Herberto
Herberto Hélder é um dos meus poetas preferidos desde a adolescência. Confesso que no início me agradava a linguagem por achá-la um pouco hermética, o que se confrontava com a poesia que ia conhecendo ou havia conhecido na escola. Com o tempo, contudo, o meu amor por Herberto passou das suas palavras também para o seu olhar. O modo como o seu olhar era transfigurado pela sua poesia (ou se transfigurava em poesia) parece-me absoluto. Todo ele é poesia, não no sentido lírico que comummente lhe atribuímos, mas no sentido de animação poética, de modo de sentir. E é isso que o tornava o maior poeta vivo português e um dos grandes que para sempre guardaremos. A sua escrita obriga a que mergulhemos nela, como a de Llansol, eles que para mim estão sempre juntos. E isso é um dádiva que nunca lhes poderemos pagar, tão necessária nestes tempos de globalização, redes sociais e vidas instântaneas.
A propósito fica um dos poemas do meu último livro de poesia:
Apresentação
O eu poético, aprendi na escola, não sou realmente eu.
Um descanso - aqui entre nós - sabermos que
eu a morrer debaixo do sol e eles sentados, não era
António Franco Alexandre que morria. E quando
Herberto Helder nos diz olha: eu queria saber em que parte
se morre, para ter uma flor e com ela atravessar
vozes leves e ardentes e crimes sem roupa, não é ele
que quer atravessar as vozes leves. Também eu me
recuso a dizer apenas o que pode ser dito não foi,
afinal, dito por Tolentino Mendonça e eu esqueci-me de
lavar a louça e de encontrar um sentido para a vida, não é
lamento de Manuel de Freitas. A poesia, toda ela,
é uma criatura sem criador que lhe chame sua.
_______________ Foi
inventada por um duende qualquer.
Herberto tem agora a sua flor e pode agora atravessar as vozes leves e ardentes e os crimes sem roupa. No fundo, mesmo morrendo, continuaremos com ele sempre, como bebedores nocturnos com a cabeça entre as mãos. Ou de outro modo qualquer. Não importa.