Manual para matar saudades dos Açores
Em boa hora descobri o "Açores - O Segredo das Ilhas" de João de Melo, na sua versão paperback, há uns dois anos na Feira do Livro. Desconhecia aliás que nesse incontornável ano de 2000 havia sido lançado como álbum ilustrado e que, portanto, perdi já dezoito anos de tempo em que podia tê-lo comprado nesse formato. Ficará para uma ocasião futura.
Dois anos depois de o ter comprado, as minhas sinuosas contas e os meus rigorosos critérios de leitura lá me levaram aos Açores de João de Melo. Talvez os espíritos quisessem que primeiro a minha mulher lesse Gente Feliz com Lágrimas e de João de Melo me falasse para que eu chegasse aos Açores do escritor já com ele apresentado.
Se o Tejo, à riba e além, são as raízes que me deram, os Açores são as raízes que escolhi. Passando por cima dos estafados lugares tangentes entre um e os outros, os Açores oferecem um mar com que nenhum Tejo pretende sequer concorrer. Por isso toda a aproximação aos Açores é sempre uma viagem ao interior de mim que eu próprio decidi construir com as sortes que os destinos me vão dando.
Talvez o que mais impressione em Açores - O Segredo das Ilhas seja a sua forma tão ordeira, de ilha em ilha, erigindo-se como manual de consulta recorrente para a saudades insulares. Ainda agora o acabei de ler e já tenho a certeza de que voltarei a ele para me acompanhar nas viagens às duas ilhas açorianas que ainda me escapam ou no meu certo regresso a Angra ou às Flores.
Depois há a linguagem, belíssima, mas sobretudo muito rica em erudição natural: nenhum cabo ou promontório, animal de terra ou de mar, arbusto ou flor fica apresentado ou descrito apenas por uma metáfora, sempre o seu nome, científico ou popular surge impresso na página, alargando o nosso conhecimento do mundo. Claro que lá está a poesia de prosa a que quase todos os escritores açorianos nos habituam e talvez por isso menos me surpreenda, mas o que realmente me toca é a dedicação ao olhar e ao correr das ilhas, aliando a geografia à alegoria.
Não sei quando irei ler Gente Feliz com Lágrimas. Aqui confesso que primeiro tenho de ler Mau Tempo no Canal (eu sei, eu sei...) mas sei que aos Açores - O Segredo das Ilhas voltarei nas várias estações, sempre que as saudades de um lugar açoriano lembrado se fizerem insuportáveis. O que acontece habitualmente.