Há coisas do teatro!
De repente, parece que por ser 2019, um dos meus anos preferidos está a tornar-se mais presente do que nunca. Até em coisas que já não recordava, confirmando que foi afinal um ano que me marcou mais do que a minha memória consciente pode testemunhar.
Na passada quinta feira fui até ao Auditório Municipal Amélia Rey Colaço ver "Bululú - estórias da invenção do Mundo", interpretado por Pedro Giestas e Tiago Fernandes, da Companhia de Atores. Algures no meio da peça pensei "há qualquer coisa de Ñaque nesta peça". Não me recordava de quando tinha visto Ñaque. Sabia só que tinha sido há muitos anos e que tinha gostado muito da peça. Não me lembrava sequer do título completo da peça que havia visto - "Ñaque ou sobre piolhos e actores" ou da companhia que o encenera - o Teatro Meridional. No entanto, lembrei-me do nome, sem qualquer esforço, ao assistir a Bululú.
Quanto saí da peça e pude ir à internet, uma simples pesquisa "Ñaque Bululu" convocou algumas informações importantes. A primeira, que confirmou a minha impressão, foi a descoberta da passagem infra:
“Heis-de saber, meus senhores, que há oito tipos de companhias e de representantes, todas diferentes : bululú, ñaque, gangarilha, cambaleo, garnacha, bojiganga, farândula e companhia (...); ñaque são dois homens que fazem um trecho dum auto, um entremês e dizem umas oitavas e duas ou três loas. Cobram a oitavo, vivem contentes, dormem vestidos, comem como esfomeados, despiolham-se no verão entre os trigais e, no inverno, com o frio, não sentem os piolhos.”
Agustín de Rojas Villadandro “El viaje entretenido” (1603)
Havia afinal uma ligação de séculos entre Ñaque e Bululu, mesmo se demorei 25 anos a percebê-lo. E essa foi a segunda descoberta. Tinha visto Ñaque em 1994 (mas onde? CCB?) tornando-se mais um dos elementos que faz ser esse um dos meus anos preferidos. Também pela memória, agora reavivada de um texto que me marcara e que gostava de voltar a ver representado de novo.
Da encenação e representação de Bululú em 2019 só pode dizer-se bem, como já esperava, da Companhia e dos atores envolvidos. Deram tudo no palco, tal como o texto dá tudo sobre os atores, confirmando-se uma reflexão sempre atual sobre a condição cénica. Em cena até 30 de novembro.