Da (in)constitucionalidade da App StayAwayCovid
Há muitas e boas razões para se ser contra a obrigatoriedade da App em epígrafe, mas de uma perspectiva de juízo de constitucionalidade somos remetidos para um círculo de ponderação que dificilmente permite a salvação constitucional da obrigatoriedade.
Sempre que estão em causa limitações a direitos fundamentais a metodologia é a mesma. Simplificando, verifica-se se a limitação é justificada e se havendo justificação ela não é limitada por outras disposições. É aquilo que a doutrina designa por limites aos limites.
No caso da App há uma limitação do direito à privacidade (artigo 26.º da CRP) na medida da partilha de dados pessoais que a aplicação permita (o que não é ainda claro, ver infra), pelo que é evidente que a primeira questão verdadeiramente interessante a considerar é a de saber se existe alguma justificação para esta limitação. As únicas parecem ser a segurança e a saúde pública. Então é necessário ponderar (e há ferramentas metodológicas que o procuram fazer da forma mais rigorosa possível) se o valor que se atribui à exata medida da limitação da privacidade provocada pela app é superior, idêntico ou inferior ao valor que atribuímos a proteção da saúde pública, ambas no caso concreto.
Ora, de um lado sabemos que há riscos de privacidade associados à aplicação. Do outro sabemos que há uma App com poucos utilizadores (neste momento) e que só é verdadeiramente útil para a proteção da saúde pública se tiver a quase totalidade da população a utilizá-la. Ou seja, a App é tanto mais protectora da saúde pública quanto mais utilizada for. E nessa medida, a sua obrigatoriedade seria boa ideia, mas como objectivo a atingir e não porque já seja neste momento garantia de proteção de saúde pública. Isto significa que a obrigatoriedade, para poder superar o valor que atribuímos ao prejuízo (ou risco) para a nossa privacidade, teria de ser imposta num momento em que fosse possível já demonstrar grande eficácia da App na proteção da saúde pública. E ainda assim seria um juízo difícil.
A proposta de obrigatoriedade da App pode ter como efeito que menos pessoas a queiram instalar (enquanto não é aprovada a lei e admitindo que é) o que cria um círculo vicioso para a possibilidade de constitucionalidade da obrigatoriedade: quanto menos pessoas a usarem mais difícil se torna uma justificação constitucional a seu favor e a obrigatoriedade, que o poderia conseguir, torna-se inadmissível. Por outro lado, se o número de utilizadores aumentar e a app se demonstrar fiável torna-se mais fácil defender um juízo de não inconstitucionalidade. Contudo, com os dados que temos neste momento, seria necessário, no referido juízo de ponderação, levar em consideração, do lado da graduação do valor da proteção da saúde pública, a eficácia projetada para a App (se todos os utilizadores de telemóveis adequados a utilizassem), para assim poder legitimir uma obrigatoriedade preventiva e constitutiva. Dificilmente este tipo de juízo se pode ter por aceitável na ponderação de direitos fundamentais.
Adenda: retirei a referência à partilha da localização por parte da App por ter sido informado entretanto que tal não acontece. Mais informação aqui e aqui.