Reconhecimento fundacional merece notícias
O Diário de Notícias dá hoje conta da aprovação da Lei Orgânica do XIX Governo Constitucional com uma peça cujo título é: "Fundações passam a depender de Passos Coelho".
Embora a notícia se espalhe por 12 parágrafos, a parte relativa às fundações apenas ocupa um páragrafo, o primeiro (a negrito na versão electrónica). Importa apurar o interesse noticioso desta alteração, que levou o DN a titular deste modo a notícia da aprovação da Lei Orgânica do Governo.
Ora, estou em crer que o interesse noticioso é diminuto. Mesmo o interesse jurídico não é grande.
Vejamos:
1. Quanto ao objecto: as fundações a que o diploma orgânico se refere são as fundações privadas, instituídas por particulares. Ou seja, não estão aí nem as fundações públicas (criadas por Decreto-Lei e que não precisam de reconhecimento) e, dificilmente, poderão estar fundações instituídas por entes públicos sob forma privada, por um lado porque o Estado normalmente também o faz por Decreto-Lei e por outro porque mesmo que o faça por escritura pública (casos em que se aplica o reconhecimento referido) é duvidoso que tal seja legal, não se tratando de uma questão de juízo político.
2. Ainda quanto ao objecto: acresce que o reconhecimento fundacional é, deve ser cada vez mais, como tenho vindo a defender, um acto de reduzida discricionariedade, isto é, nos termos do Código Civil - em que se exige suficiência da dotação inicial da fundação e prossecução de um interesse social - tais requisitos devem ser verificáveis de forma tão objectiva quanto possível e, no caso do segundo requisito, deve ser sobretudo entendido como um requisito negativo, ou seja, desde que o fim indicado não seja contrário à ordem pública deve respeitar-se a vontade do fundador em qualificá-lo como um fim de interesse social. Além disso estão de fora todas as fundações que se constituam como Instituições Particulares de Solidariedade Social.
3. Quanto à entidade que procede ao reconhecimento: o que ficou dito acima basta para demonstrar que a alteração de competência do Ministro da Presidência para o Primeiro-Ministro não terá qualquer consequência quanto ao controlo das fundações, instituídas pelo Estado, que hoje fazem as delícias de comentadores e comunicação social. Essas fundações, sublinha-se, são quase sempre criadas por Decreto-Lei e escapam ao reconhecimento fundacional, que, de qualquer modo, como também se diz acima, deverá ser sempre o mais objectivo possível. Ou seja, passar a ser o Primeiro-Ministro e não o Ministro da Presidência, cargo que, aliás, não existe no XIX Governo, não tem grande relevância noticiosa, se por relevância noticiosa se quer algo mais que o reflexo pavloviano à referência "fundações".
4. O interesse verdadeiro: há, contudo, que notar esta alteração, por razões de rigor formal. A ordem jurídica portuguesa, por motivos de que discordo, mas que vigoram, aproximou os regimes do reconhecimento fundacional e da atribuição do regime de utilidade pública. Até aqui a primeira competência estava no Ministro da Presidência e a segunda no Primeiro-Ministro. Em ambos os casos, contudo, os pedidos eram instruídos pela mesma entidade - A Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministro - o que creio que irá continuar a acontecer. Daí que esta alteração apenas vem, quanto muito, trazer alguma coerência formal a opções legislativas anteriores. Saudo o DN por estar tão interessado nestas minudências jurídicas, de que tanto gosto. Mas creio que não foi por isso que o título da notícia foi escolhido.
Adenda: também o i titula assim a sua notícia sobre a Lei Orgânica do novo Governo.