Acabo de ler todos livros da série Witcher (no original polaco,Wiedźmin), de Andrzej Sapkowski. Todos os oito livros (há uma edição completa óptima).
Estou hoje bastante contente por ter começado pela série da Netflix, depois ter finalmente jogado ao jogo da CD Projeckt Red, The Witcher 3: Wild Hunt e só depois ter chegado às obras originais. Vim do pior para o melhor. E creio que ao contrário não teria conseguido acabar a série televisiva.
Aventuras Fantásticas, Dungeons&Dragons RPG, Tolkien (do Silmarillion ao LOTR), Game Thrones (só a série televisiva), The Witcher. Creio que esta é a sequência da literatura fantástica na minha vida. Por isso o The Witcher chega praticamente 30 anos depois de ter começado a aventurar-me nestes mundo. A pressão era grande e injusta. Mas tive sorte: o meu primeiro contacto com o The Witcher foi o jogo referido acima. De 2015, só o joguei durante este ano. Durante estes cinco anos, porém, por diversas vezes fui lendo e ouvindo muito bem sobre o jogo e aprendi que se tratava de uma adaptação de um universo literário fantástico, de inspiração medieval. Por isso, quando a série da Netflix estreou, estava ali mesmo à mão a hipótese de mergulhar nesse universo, sem ter de me comprometer com jogo (algo que gosto de fazer com os jogos que antecipo bons) ou adquirir os livros.
A série da Netflix, vista como primeira abordagem ao universo Witcher não me convenceu: a história (mesmo sem a conhecer ainda) pareceu-me ora atabalhoada ora pouco desenvolvida, embora tenha achado piada às três das personagens principais: Geralt, Yennefer e Dandelion. Vi já os últimos episódios a correr. Havia de regressar à Batalha de Sodden Hill, já depois de a ler no romance Blood of Elves, mas só para deprimir-me a pensar como teria sido aquela batalha se filmada pelos responsáveis pelo GoT.
A série teve pelo menos o mérito de me fazer avançar para o jogo Witcher 3. Que maravilha. Para quem goste de RPG (e eu tinha acabado de jogar ao AC Odyssey) é um salto incrível no que diz respeito ao enquadramento e diálogos, mesmo apesar de eu ter a saga AC como minha saga preferida. Além disso, e não obstante os avanços do AC Odyssey, viria a perceber que o Witcher 3 acompanha o carácter sexualmente aberto dos romances, com as inúmeras aventuras de Geralt, Triss, Yennefer, Ciri e Dandelion. Neste aspecto o Witcher foi uma lufada de ar fresco e a primeira vez que senti num jogo de consola um grau de complexidade e maturidade que poderia sentir ao ler um romance fantástico. E fiz exatamente isso, lendo a série completa dos romances que tinham começado tudo.
Comecei por gostar de entrarmos no mundo de Geralt através de contos que surgem coleccionados em The Last Wish e Sword of Destiny. Depois entramos nos cinco romances e terminamos com um romance que é uma prequela à história principal.
Há muito para gostar nas histórias de Geralt of Rivia, um bruxo, que no universo de Sapkowski é um ser humano mutante, especialmente concebido para matar os monstros que atacam os seres humanos e elfos, que partilham o Continente onde tudo acontece. O primeiro aspecto de que gostei bastante foi a envolvência de inspiração da Europa Central, eslávica, com toque de Europa ocidental, como Touissant (a lembrar França e Espanha) e as várias referências às lendas arturianas. O mundo de Sapkowski é uma idade média estranha, reconstruída, passada numa linha temporal alternativa que combina aspectos que estaríamos à espera de encontrar na nossa idade média (roupas, arquitectura, alguns costumes, linguagem), com elementos mágicos e tecnológicos que introduzem o fantástico. Para além dos elfos, essa espécie mítica partilhada por tantos criadores, como património cultural do mundo das lendas. Depois gostei bastante do contraste entre a complexidade das referências criadas pelo autor face à simplicidade da linguagem imputada a algumas personagens. É um contraste que traz realismo à saga e de que gostei muito. Como gostei da parte romântica e sexual que une algumas das personagens. Aliás, a relação Geralt/Yennefer é das mais interessantes que tenho encontrado nos vários universos fantásticos que conheço, mas também interessante é a relação entre Ciri e Mistle, durante o período da protagonista entre Os Ratos. A geopolítica de The Witcher, começando pela rivalidade entre os Reinos do Norte e Nilfgaard é também outro atractivo, sobretudo se juntarmos o segundo plano do predomínio dos seres humanos sobre as demais espécies - anões, elfos, vampiros, etc - nos Reinos do Norte (com bastante xenofobia e perseguições à mistura) face a um império de Nilfgaard que tem origem no cruzamento entre elfos e humanos, elfos que em tempos haviam dominado o mundo conhecido. É facil ver aqui as lições para a realidade histórica e actual. Mas sobretudo gostei do tom de Geralt como personagem de universo fantástico, com uma personalidade que carrega às costas todo o universo, mesmo quando o faz indirectamente através da também fascinante Ciri a quem está ligado pelo destino. Um dos universos fantásticos mais interessantes que encontrei até hoje.
Percebo que a série queira colocar-se num plano mais multicultural, para abrir para outros públicos e ser menos branca e eslávica, mas já me parece desnecessário sacrificar a complexidade da história e o GoT está aí para demonstrar que se podem fazer séries complexas e ricas mesmo sobre obras literárias também elas épicas e complexas. Mas pelo menos nos jogos essa complexidade não se perdeu. Talvez a segunda temporada consiga recuperar um pouco.
Já para encontrar a ruiva Triss Merigold, só mesmo os jogos. E esperemos que na série Ciri cresça tão interessante como nos romances e nos jogos. E haja forma de recriar a riqueza do confronto entre a cultura de Nilfgaard e dos Reinos do Norte.
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