Avizinha-se um novo governo e é por isso uma ótima altura para renovar os meus apelos a uma reforma da regulação do Terceiro Setor. Medidas apresentadas de forma simples e direta.
1. Acabar com a regulação pela Administração Central e passá-la para a Administração Independente através de um regulador.
O Terceiro Setor não só prossegue fins distintos dos do Estado (ainda que passíveis de serem parcialmente coincidentes em termos substantivos) como o Estado é parte interessada no setor, à semelhança do que acontece nos mercados regulados, pois não só concorre com o Terceiro Setor como contrata com ele modelos de substituição e complemento do Estado. Mais do que razões para não regular em causa própria. Há vários exemplos que nos podem inspirar.
2. Criar um regulador forte, transversal e completo.
A regulação do Terceiro Setor em Portugal é fraca. Excessivamente burocrática quanto a algumas formas de criação e pouco interventiva em vida das instituições. Além disso está dispersa por diversas entidades estatais com fraca ou nenhuma interação, e mais importante, integração, administrativas. Resultado: uma regulação fragmentada e geradora de inúmeros problemas para as instituições e para a prossecução do interesse público. Todo o Terceiro Setor deve ser regulado por uma só instituição, ainda que com pareceres de entidades públicas setoriais, acabando-se com a pulverização por Presidência do Conselho de Ministro, pastas da Segurança Social, Negócios Estrangeiros, Ambiente, Educação, etc.
3. Deve ser uniformizado e claramente separado o regime de criação de instituições públicas que utilizam formas jurídicas idênticas às das entidades do Terceiro Setor
Fundações, associações e cooperativas que tenham uma influência dominante do Estado devem ser reguladas por um único diploma, separadas da regulação independente do Terceiro Setor, que apenas deve verificar, quando seja o caso, a parcela de participação de verdadeiras entidades desse setor (como sucede no caso de associações ou cooperativas dominadas pelo Estado mas com participação de privados). Esta separação não só permitiria trazer igualdade à prossecução do interesse público através de formas jurídico-privadas não lucrativas, impedindo que houvesse fugas à criação de fundações públicas de direito privado através da sua substituição por associações e cooperativas públicas de direito privado; como também garantiria uma separação entre o verdadeiro Terceiro Setor, onde privados prosseguem interesses sociais não determinados pelos Estado, e o setor público, onde por vezes o Estado prossegue o interesse público através de formas jurídico-privadas. Também por isso deve rever-se a lei-quadro das fundações para acabar com o tratamento, no mesmo diploma, de fundações privadas que integram o Terceiro Setor e de fundações públicas, que em Portugal foram erradamente classificadas como institutos públicos, e que integram o Setor Público.
4. No caso das fundações deve acabar-se com o reconhecimento administrativo e reforçar a regulação da sua atividade, nomeadamente quanto ao acompanhamento de boas práticas.
É difícil aceitar que uma entidade que legalmente deve demonstrar um património apto a prosseguir um fim social veja o seu momento institutivo controlado administrativamente. Nem a Administração Pública é a única entidade que pode avaliar a suficiência do património (aliás de verificação difícil e casuística) como é pouco recomendável que se pronuncie sobre a prossecução de fins sociais, que num Estado plural se querem distintos dos fins públicos estatais.
5. Para a Administração Central deve ficar reservado o papel de controlar adequadamente o Estatuto de Utilidade Pública
É o Estatuto de Utilidade Pública que reconhece formalmente ao Terceiro Setor a prossecução de fins sociais que também são relevantes para a satisfação do interesse público. Isto é claramente distinto da criação de entidades do Terceiro Setor para a prossecução de fins sociais, livremente determinados pelos cidadãos e com financiamento privado (aliás, os níveis de filantropia institucional são em Portugal muito baixos). Só quanto ao primeiro ponto acima referido deve o Estado intervir e o critério de atribuição do Estatuto de Utilidade Pública deve manter-se o mais possível relativo a atividade efetiva e reiterada. O Estado só deve atribuir e manter este Estatuto a quem demonstre efetivamente com a sua atividade estar a poupar dinheiro aos contribuintes, justificando o regime de benefícios fiscais associado.
6. O legislador deve aumentar a gama de regimes jurídicos do Terceiro Setor e eliminar proibições injustificáveis
Na linha do que sucede por impulso do direito da União Europeia e à semelhança do que já acontece em vários países europeus é importante clarificar e unificar o regime das empresas sociais. Por outro lado é importante garantir que modelos híbridos podem ser legalmente utilizados, como as fundações de cidadãos (ou de participação) com larga implantação na Alemanha e no Reino Unido, e as fundações e associações-empresa.
7. A nova regulação do Terceiro Setor deve ter efetivos poderes de intervenção
Um regulador global do Terceiro Setor não só deve ter poderes para fazer cumprir os deveres de reporte e de transparência que decorrem da lei, como deve poder recomendar outros tipos de deveres desta natureza para além dos previstos na lei, à semelhança do que sucede noutros mercados com outros reguladores como a ANACOM, o BdP ou a CMVM. Mas tal não implica que não tenha igualmente poderes para intervir, em situações de maior gravidade, na vida das instituições. O modelo legal previsto no Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social (EIPSS), que não tem aplicação prática adequada, pode ser um ponto de partida. A intervenção da Charity Commision inglesa também.
8. O EIPSS devia ser fundido com uma lei sobre a regulação pública da atividade do Terceiro Setor
Não obstante a importância do âmbito do EIPSS ele confunde com a quase totalidade do Terceiro Setor pelo que seria recomendável a existência de um único diploma jurídico, para um único regulador, respeitante a todas as matérias em que o Estado pretende intervir.
Estas medidas têm, genericamente, apoio de todo o Terceiro Setor. Apenas desinformação da opinião pública, assunções infundadas, e preconceitos ideológicos podem justificar que não se avance neste sentido. A importância social do Setor, em si mesmo e para o interesse público, bem como o seu peso na economia, justificam uma intervenção desta natureza.