Cerulli Irelli em Lisboa
Dois dos meus livros preferidos de direito administrativo são italianos. De Giulio Napolitano, "Pubblico e privato nel diritto amministrativo" e de Vincenzo Cerulli Irelli, "Amministrazione pubblica e diritto privato". Ambos ganharam a minha preferência por tratarem do tema que mais me interessa no direito: a superação da fronteira artificial (e apenas com algum préstimo pedagógico) entre direito público e direito privado. No caso do livro de Cerulli Irelli foi um prazer encontrar um discurso de completa superação desta distinção, em que o autor se coloca no meio da discussão entre estes dois ramos do direito para demonstrar como eles não podem explicar a realidade sem procurar uma linguagem comum.
À parte esta minha preferência, Cerulli Irelli é um dos grandes administrativistas italianos vivos e mesmo um dos grandes no contexto do direito administrativo continental. Foi por isso simultaneamente um prazer poder ouvi-lo hoje no auditório da Universidade de Lisboa do edifício do Caleidoscópio (no Campo Grande) e uma tristeza por ver tão poucos na sala.
É sintoma de alguma maleita cultural, quando a presença de um vulto de uma área do direito com tanta importância académica e prática, não arrasta uma boa porção dos seus cultores. Não éramos mais do que vinte. É tanto mais triste quanto à intervenção de Cerulli Irelli, moderada por Sérvulo Correia, outro grande administrativista do nosso tempo, ter sido brilhante, centrando-se no direito dos bens, para também aí demonstrar como se encontra superada (porque em crise permanente) a distinção entre direito público e direito privado.
Pela minha parte fiquei contente por poder ouvi-lo e senti-me privilegiado. Era bom que a comunidade jurídica portuguesa desse mais valor a estes momentos.