Cedo demais - a vida e a obra de Horácio Araújo
Medeiam 23 anos entre a publicação do Livro I de Asia Extrema (1995), de Antonio de Gouvea, editado por Horácio Peixoto Araújo e a publicação dos Livros IV a VI, livros finais (2018). À data da publicação dos últimos livros da obra de Antonio Gouvea, há algumas semanas, Horácio Araújo, que havia tomado como obra de vida a edição e publicação de Asia Extrema, já não estava vivo. Pude acompanhar, com uma amizade tranquila, generosa e infinitamente enriquecedora, a vida e o trabalho de Horácio Araújo e mesmo vendo completa a publicação da Asia Extrema, apenas se agudiza a certeza da falta que faz o seu futuro.
No coração de quem ama e na opinião de quem ajuiza como boa a obra de alguém, a morte da pessoa quase sempre chega cedo demais. Horácio Araújo dedicou boa parte da sua vida adulta a tornar pública, inteligível e útil uma obra até então quase desconhecida e não publicada, a Asia Extrema de Antonio Gouvea. Desta obra, para percebermos a sua importância, talvez seja melhor ler Joaquim Veríssimo Serrão, numa passagem que o próprio Horácio Araújo escolheu para abrir a sua edição da obra do Padre Antonio de Gouvea:
Entre 1995 e 2018, Horácio Araújo, não obstante ser casado, pais de dois filhos e professor, primeiro no ensino secundário e depois na Universidade Católica, onde ajudou a criar o curso de Ciências da Comunicação, dedicou-se ao estudo da Asia Extrema, obra monumental sobre a primeira presença europeia na China, a de missionários jesuítas, e que foi redigida pelo próprio Padre Antonio de Gouvea, na China, a partir de 1644. Tomou para si a missão de que falava Veríssimo Serrão. O trabalho de edição foi hercúleo, convocando a necessidade de adaptar o texto, que se estende por 6 livros e mais de mil páginas, para um português compreensível, bem como fazer todo o trabalho de contextualização literária e histórico-cultural, dificultado por aspectos místicos muito interessantes da obra, mas cuja comunicação ao leitor se apresenta difícil.
Tudo isto Horácio Araújo foi fazendo dedicadamente, primeiro como tese de mestrado, depois como tese de doutoramento e finalmente como labor interessado de um investigador sobre aquela que se tinha tornado a sua obra de vida. E obra de vida é a expressão adequada: quando Horácio Araújo morreu, há muito lutando contra o cancro, deixou pronto o último volume da Asia Extrema, apenas com a introdução para escrever, algo que veio a ser feito pelo seu filho e meu amigo, Filipe.
A obra Asia Extrema de Antonio de Gouvea é uma obra inestimável e um privilégio disponibilizado à historiografia portuguesa. Mas do que cuido aqui é desta partida cedo demais, pois se a obra ficou integralmente editada e pronta para completa publicação, a obra de Horário Araújo, quer como historiador, comunicador, mas sobretudo como pai e amigo, ficou cortada cerce, cedo demais.