Há precisamente 20 dias João Tiago Silveira publicou no Expresso um artigo intitulado "Vamos continuar a fazer de conta?". A pergunta dirigia-se aos partidos, especialmente, ao Partido Socialista, na sequência dos resultados eleitorais para as autarquias locais, e referia-se a crescente importância dos movimentos de cidadãos e do modo como estes se colocam face à oferta de candidatos proporcionada pelos partidos.
Num país em que os partidos políticos perderam quase completamente a sua dimensão de associações de instrução e envolvimento político dos cidadãos, com presença marcante no dia-a-dia das pessoas, o momento da selecção de candidatos para os diversos actos eleitorais tornou-se o momento definidor do modo como cada partido encara a sua obtenção do poder. A maior ou menor consideração pelo eleitor vê-se no processo de recrutamento de candidatos a que, evidentemente, não é alheia a lei eleitoral - também ela nas mãos dos principais partidos de poder.
Assim, como alude João Tiago Silveira no artigo referido, um bom barómetro para determinarmos se os cidadãos estão contentes com as políticas dos partidos, e com aqueles que os partidos escolhem para as promover e assim representar-nos, é a medida em que os movimentos de cidadãos ganham terreno político. A esse avanço corresponde um afastamento dos partidos que recomenda reflexão.
O afastamento dos partidos não tem que ser um afastamento da política. A opção por movimentos independentes, quando eles surgem e são credíveis, demonstra-o. Por isso, não se trata apenas de diversificar os modos de participação política, que em Portugal são ainda muito poucos e muito pobres. Trata-se de os partidos darem o exemplo. Como? Diversificando e multiplicando a oferta política da sua acção, que não pode mais confinar-se, na esmagadora maioria dos casos, aos actos eleitorais. Dos partidos tem que esperar-se que não ambicionem apenas o nosso contributo para a obtenção do poder nos principais órgãos de soberania, mas que nos permitam, a partir do seu interior, encontrar novas formas de participação na sociedade e no poder. Os partidos devem ser uma das opções - e, desejavelmente a mais importante - de participação política a partir da comunidade. Não podem, nem devem, ser visto como algo que está já a meio caminho ou completamente associado ao poder e em contraposição com a sociedade.
Conto-me entre os 50 militantes e simpatizantes do Partido Socialista que subscreveram a carta referida por João Tiago Silveira no seu artigo e concordo com a sua chamada de atenção para a necessidade de serem os partidos - e era bom que fosse o Partido Socialista a dar o exemplo - a liderarem a reconciliação dos cidadãos com a política. Em muitos casos não se trata sequer de reconciliação, pois corremos o risco de perder uma geração para a política, a julgar pelas últimas estatísticas e estudos.
É certo que podemos procurar novas formas de actuação política, sobretudo ao nível local, que não passem necessariamente por partidos. Mas é também decisivo que saibamos exigir aos partidos que saibam mudar e conciliem o seu lastro de repositório ideológico, fundamental aliás para permitir a evolução da ideologia, com a sua utilidade para novas fases históricas.
O Partido Socialista tem uma tradição de liderança e de abertura, as duas características que agora se impõem: é preciso permitir que o PS seja mais transparente, mais participado: participado de forma mais continuada, com maior acção-reacção entre os que o procurem e quem o dirija; mais participado nos seus órgãos deliberativos e consultivos; mais participado através da multiplicação de canais para a criação de políticas.
Tudo isto pode começar a ser conseguido com a ajuda das medidas que os subscritores fizeram constar da carta dirigida ao Secretário-Geral do PS e que necessita de ser discutida:
é fundamental a abertura a listas de simpatizantes;
é fundamental a criação de um direito de petição ao Congresso para definição das linhas políticas do partido;
é fundamental criar canais - locais, online, temáticos - abertos a todos os cidadãos para a apresentação e construção de propostas políticas;
é fundamental aumentar a fasquia do que se exige das propostas políticas e registar-se um compromisso com calendários e custos, fundamentados.
Assim se pode conseguir actualizar o que há de bom nos partidos com o que há de necessário e urgente na vontade de participação política dos cidadãos.
Esta é a altura para aprofundarmos a discussão e promovermos a mudança: face a partidos no poder que desconsideram os cidadãos e se entrincheiram numa exclusiva legitimidade pelo voto, alheia às contradições com o prometido no programa eleitoral e alheia a quaisquer outros modos de participação que corrijam e actualizem a actuação do Governo, apenas partidos que mostrem saber abrir a política e contar continuadamente com formas plurais e diversificadas de participação política, poderão ter algum tipo de futuro no nosso país.