Progressismo constitucional
Poiares Maduro afirmou recentemente "considerar irónico que Tribunais Constitucionais que são entendidos como progressistas na Europa adotem como metodologia constitucional aquela conservadora dos Estados Unidos".
Tenho dificuldade em compreender o alcance desta afirmação. Tanto quanto consigo perceber a posição conservadora da metodologia de interpretação constitucional do "Supreme Court" norte-americano é aquela que defende uma interpretação histórica dos preceitos constitucionais e que é (em geral) alheia às consequências da sua aplicação no momento. Ora, tanto o TC como o BVerfG (Tribunal Constitucional alemão) rejeitam este tipo de interpretação adoptando uma interpretação progressista, a que Dworkin poderia chamar "íntegra", que (simplificando) olha às consequências da aplicação das normas e princípios constitucionais e ao consequente juízo de constitucionalidade a formular.
Não consigo perceber, por exemplo, em relação ao Acórdão que declarou inconstitucionais várias normas do OE2013, onde está o conservadorismo. Talvez Poiares Maduro utilize como critério de progressismo a instrumentalidade do Direito face ao exercício do poder político: quanto mais instrumental (e, por isso, menos sindicável constitucionalmente) mais progressista. Nesta visão ser progressista é assumir com grande amplitude a presunção de constitucionalidade das leis, sobretudo em situações de emergência, só a abandonando em casos extremamente graves e incontroversos. Mas este critério parece inadequado: o progressismo de uma metodologia de interpretação constitucional por parte de tribunais constitucionais deve ser aferido pela capacidade que esses tribunais têm de continuar a ler a Constituição no quadro dos problemas concretos colocados pela legislação ordinária a apreciar e mesmo que essa legislação se apresente como um último recurso democrático para resolver problemas da comunidade política. O Estado de Direito parte do pressuposto que o Direito limita o legislador, não é o legislador que limita o Direito. Garantir este estado de coisas é a função originária e perpétua de um Tribunal Constitucional. De outro modo, apenas nos restaria a sublevação. Todas as alternativas parecem imperfeitas, mas continuar a achar que a democracia pura, o perigo da tirania das maiorias, deve ser contrabalançada por um juízo actualista de um tribunal constitucional (sendo discutível, evidentemente, o seu modelo) não é conservadorismo, é mesmo a renovação continua de ideais progressistas.