Parece que o tempo não está para constitucionalismos
Luís Morais Sarmento, Secretário de Estado do Orçamento, em entrevista à Rádio Renascença
"Why is interpretation so central to constitucional adjudication? The answer, as always when there is reason to resort to interpretation turns on a combination of reasons for respecting the constitution as it exists and reasons for remaining open to the possibility that it is in need of reform, adjustment, or development in order to remove shortcomings it always had or shortcomings that emerged as the government or the society that it governs changed over time"
Joseph Raz, On the Authority and Interpretation of Constitutions
De entre os vários pontos interessantes das declarações de Luís Morais Sarmento, a primeira que gostaria de destacar prende-se com um significado oculto que encontro na frase que cito acima. Apesar de o Governo já ter reafirmado que não considera inconstitucional a lei do orçamento, o que me parece interessante na frase do Secretário de Estado do Orçamento é que ela ignora a questão da inconstitucionalidade, ou coloca-a num segundo plano, e dirige-se a um outro problema: a lei do orçamento deve ser interpretada como não inconstitucional porque, em caso contrário, graves consequências resultam para o país.
Para além da pressão política que tal frase, e em geral a entrevista dada, pretende colocar sobre o Tribunal Constitucional, algo que, infelizmente, faz parte do jogo político, o fascinante é que Luís Morais Sarmento está a propor uma interpretação constitucional que aceite a lei do orçamento de Estado, por razões, poderíamos dizer morais (é, aliás, esse um dos pontos de fundo do excelente artigo de Raz): se a lei do orçamento for considerada inconstitucional será mau para o país. Desde logo, acrescenta o Secretário de Estado do Orçamento porque o país poderia ficar sem o dinheiro da troika.
Há várias coisas muito erradas com este tipo de posições, que, aliás, são partilhadas pelo Governo e por boa parte da direita que o sustenta.