MIRE - Alargar a base de recrutamento dos candidatos a deputados
A ideia é tão simples que podemos perguntar por que ainda não foi feito antes: alterar o artigo 151.º da Constituição de modo a que movimentos de cidadãos possam apresentar listas de candidatos a deputados à Assembleia da República.
Ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira que este é o artigo onde a Constituição levou ao máximo o "privilegiamento do papel constitucional dos partidos políticos, estabelecendo um verdadeiro monopólio partidário da representação política e tornando obrigatória a mediação partidária". Pode dizer-se que, em face da crescente desilusão dos cidadãos com os partidos, à opção de reforço da relação entre ambos, há quem prefira simplesmente deixar os cidadãos escolher outras formas de se organizarem em busca da sua representação na Assembleia da República: é o caso do MIRE - Movimento Independente para a Representatividade Eleitoral, que tem página no Facebook, e promove uma petição dirigida a sensibilizar os deputados a apresentarem projectos de revisão constitucional que alterem o artigo 151.º, de modo a que este passe a permitir a apresentação de candidaturas de cidadãos sem a mediação dos partidos.
Qual a razão para o sentido do actual artigo 151.º? A resposta é surpreendentemente simples: para utilizarmos a expressão da Jorge Miranda, apenas os partidos permitem que no Parlamento se constitua uma "maioria coerente". Contudo, o próprio autor acrescenta que são sobretudo razões históricas que explicam o fenómeno. Razões, pois, de 1975-76, em que o mundo era outro, e não existia a internet ou as redes sociais.
Creio bem que as razões históricas, do contexto específico revolucionário e pós-revolucionário, misturadas com alguns preconceitos quanto à capacidade de mobilização e responsabilidade real de movimentos de cidadãos para apresentação de candidaturas a deputados à Assembleia da República, são hoje inaceitáveis como fundamento do monopólio partidário dos partidos neste domínio. Sobretudo se encararmos a possibilidade de candidaturas de cidadãos como um complemento à tradicional candidatura por partidos.
A desconfiança na capacidade de mobilização e de concertação dos cidadãos não tem hoje peso suficiente - mesmo admitindo que possa ainda ter algum peso - quando confrontada com os parcos resultados que os partidos vêm permitindo ao nosso sistema representativo (elevada abstenção). A hegemonia dos partidos fez derivar o nosso sistema para um sistema que privilegia oligarquias político-partidárias em vez que explorar, complementarmente, mecanismos de alargamento de base representativa. Em face disto não se percebe por que não há de permitir-se métodos alternativos de activar o princípio da representação popular, princípio maior da nossa Constituição.
Aquilo que o MIRE pede à Assembleia da República e aos deputados não é mais do que a discussão e aprovação de uma possibilidade de abertura da base de recrutamento da representação popular, que caberia depois a cada um de nós, nas mais variadas configurações de conjunto, tornar uma realidade. Poderá falhar, em face das dificuldades várias, mas poderá também oferecer virtualidades que apenas podemos entrever. Proibir tal possibilidade parece, por isso, incompreensível.