A primeira reflexão que encontrei no meu espírito, ao fim de uns minutos de Aftersun, foi a distinção da realização. Eis ali um manejo do filme que, por instantes, quase podia ignorar o argumento: seria sempre bom o que fosse assim filmado. Charlotte Wells está fascinada por um tempo que é também o fascínio - no caso dela, talvez obsessão - da sua personagem principal, Sophie, interpretada por Frankie Corio: o início deste século. E como cineasta que é - já se pode ver - fascina-a a técnica, os instrumentos, a mecânica. Algo que sempre fascina quem se apaixona por uma atividade, como os escritores com canetas, máquinas de escrever e até computadores. O seu fascínio é pelo modo de filmar, que não é apenas o essencial olhar sobre as personagens e o seu mundo, não é apenas o manejo do ritmo como algo presente e não ignorado, mas é também pela imagem dentro da imagem. Pai (Paul Mescal) e filha gravam-se mutuamente durante umas férias na Turquia, há cerca de 20 anos, numa câmara portátil. E o filme, com o equipamento e a qualidade cinematográfica de 2022, marca os olhares do filme: da realizadora sobre a obra criada, das personagens entre si, de nós face à obra apresentada pela realizadora e pelos atores. A técnica, quer mecânica, quer semântica é em Aftersun (talvez em Charlotte Wells) uma afirmação.
E se falei de ritmo quero demorar-me mais sobre ele, como as personagens se demoram sobre o tempo que passam nas suas férias na Turquia. O atraente neste ritmo é que consegue afirmar-se como um ritmo do olhar e não da ação: é o olhar da realizadora sobre as personagens que demora o seu tempo, o que não significa que as suas férias, as suas interações sejam lentas. A realizadora consegue assim afirmar-se e ao mesmo tempo respeitar a história, as personagens. Ela tem o seu olhar, as personagens as suas vidas, cada qual com o seu ritmo e isso não tem nada de problemático. Este ritmo da realização, que não se confunde com o ritmo da vivência das personagens é um dos aspetos mais belos deste filme.
Mas, claro, há o argumento. E o argumento é arrasador. Arrasador porque assente na mais antiga das relações - a filiação - e na busca pelo seu sentido. Não um sentido geral e abstrato, filosófico. Mas um sentido existencial, o sentido daquela relação, com aquele pai, sendo - por isso - aquela filha. Não é fácil lidar emocionalmente com a partilha dessa busca, desse exame, seja qual for o seu desenlace. Mas é isso que Charlotte Wells partilha connosco e é isso que aceitamos quando entramos na sala de cinema. Aceitamos que um tapete nos possa fazer chorar. E arrasa-nos porque apresenta uma em infinitas hipóteses de relações entre um pai e uma filha, mas uma hipótese apenas basta para nos colocar naquele lugar. Ou porque somos pais ou porque somos filhas ou porque seremos, porque queremos. Ou porque sabemos.